quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Crítica bibliográfica - Autism Frontiers: Clinical issues and Innovations (Fronteiras do Autismo: Questões clínicas e inovações)

Shapiro BK. Accardo PT. Autism Frontiers: Clinical issues and Innovations. 2008. Brookes Publishing. Baltimore. MD. ISBN 978-1-55766-957-5. 256 pages. $49.95
Crítica de Dominick M. Maino,. OD. Med. FAAO. FCOVD-A: Illinois College of Optometry

Fronteiras do Autismo inclui uma lista dos editores/colaboradores, um comentário do Dr. Mark L. Batshaw e um prefácio. Seguem-se treze capítulos e um índice, que completam 256 páginas.

O primeiro capítulo é uma perspectiva clínica do Espectro do Autismo que inicia com a história da evolução da nossa compreensão do autismo. Em 1943 Leo kanner descreveu 11 crianças com um distúrbio do comportamento fora do comum. Ele reparou que estas crianças exibiam interacções sociais atípicas, usavam a linguagem de modo diferente e tinham um leque de comportamentos marcadamente restritos (echopraxia). Os autores deste capítulo referem que “outrora consideradas raras, as perturbações do espectro do autismo afectam agora aproximadamente 1 em cada 150 crianças”. O aumento significativo da prevalência foi atribuído a uma mudança nos critérios de diagnóstico, no aumento da tomada de consciência e da recolha de dados e na substituição de diagnósticos. Este capítulo também inclui critérios de diagnóstico para o Autismo, Perturbação de Asperger e Perturbação Global do Desenvolvimento Não Especificada (PDDNOS) – da 4ª edição de Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, todas elas consideradas, agora, como fazendo parte do espectro do autismo. O resto do capítulo revê as perturbações da linguagem e do comportamento associadas ao espectro, questões da atenção/hiperactividade, falta de relacionamentos sociais e várias incapacidades associadas, incluindo incapacidade intelectual, ansiedade e manifestações físicas.
É recomendado que as crianças que estão a ser avaliadas relativamente a uma perturbação do espectro do autismo (PEA) sejam alvo de uma avaliação de diagnóstico abrangente que inclua o uso de um instrumento com, pelo menos, sensibilidade moderada e boa especificidade para as PEA, uma avaliação médica/neurológica completa, uma análise auditiva, uma avaliação do discurso/da linguagem, uma avaliação do comportamento cognitivo/adaptativo, uma avaliação neuropsicológica e uma avaliação de terapia sensoriomotora/ocupacional. Também é referido que podem ainda ser necessários testes metabólicos selectivos, avaliação dos níveis de chumbo e testes genéticos (procura da síndrome do X frágil). Não será necessário efectuar análises ao cabelo, a anticorpos celíacos, alergias, micronutrientes e outras similares, visto que não há provas que levem a que se proceda a tais análises por rotina, salvo indicações clínicas específicas. Lamenta-se que dada a quantidade de áreas em que estas crianças apresentam dificuldades, os autores não recomendem uma avaliação abrangente do olho e da visão como fazendo parte das análises de cada criança. O resto do capítulo apresenta uma lista dos instrumentos usados para avaliar as PEA, a sua gestão (incluindo farmacoterapia) e legislação.
O capítulo 2 “Autismo no Espectro de Incapacidades de Desenvolvimento”, discute o modo como o autismo se relaciona com outras anomalias do desenvolvimento e o capítulo 3 revê a síndrome de Asperger, a incapacidade de aprendizagem não verbal e as “Crianças Einstein”. Interessou-me particularmente a informação sobre as “Crianças Einstein”. Estes indivíduos tendem a ter um início tardio (especialmente na fala), mas depois safam-se muito bem na vida. A tabela 3 deste capítulo apresenta, de uma forma satisfatória, as semelhanças e as diferenças destas 3 perturbações.
Nos capítulos 4 e 5 são abordados a regressão no desenvolvimento, o autismo, a epilepsia e as anomalias no desenvolvimento da linguagem, mas com pormenores limitados. No capítulo 6 continua a discussão sobre os défices de linguagem no Autismo e na síndrome de Asperger. No capítulo 7 é feita uma revisão sobre os primeiros três anos de vida da criança enquanto portadora de PEA, com ênfase para o diagnóstico precoce. São revistas as capacidades perceptivas, sensoriais, motoras, sociais e de comunicação. Refere-se que nas áreas perceptiva e sensorial foi feita pouca pesquisa relativamente a crianças com três anos ou menos. Nos capítulos 8-11 fala-se de intervenções. Estas intervenções incluem as efectuadas na sala de aula, as barreiras contra o sucesso enfrentadas pelas famílias e o uso de abordagens psicofarmacológicas para controlar/gerir comportamentos indesejados.
O capítulo capaz de captar o interesse dos leitores de Desenvolvimento da Optometria e da Visão será o capítulo sobre medicina complementar e alternativa. Thomas D. Challman, um professor assistente de pediatria no Jofferson Medical college, em Danville. PA, apresenta a sua perspectiva logo no primeiro parágrafo, afirmando: “Apesar da admoestação de HL Menchen de que “há sempre uma solução bem conhecida para cada problema – simples, plausível e errada”, as pessoas que enfrentam um problema médico que ultrapassa o tratamento fácil, recorrem frequentemente a remédios não certificados para melhorar o seu estado.”
Eu tento sempre manter uma mente céptica, mas aberta, no que respeita à medicina complementar e alternativa, mas ele arruma logo com a questão … de facto, por que havemos de nos dar ao trabalho de ler todo o capítulo depois de ler este primeiro parágrafo? Penso que ele prejudica a medicina complementar e alternativa nesta sua abordagem, demonstrando unicamente a atitude arrogante da medicina alopática quanto a tudo o que não pratica ou não compreende. Por outro lado, a maioria das terapias deste tipo de medicina ainda têm um longo caminho a percorrer até adoptarem um papel de relevo no tratamento destes doentes.
Foi já demonstrado (apesar de não ter sido necessariamente no caso de uma criança com autismo) que a medicina tradicional chinesa, a meditação, o biofeedback, o yoga, as massagens, a acupunctura e várias plantas, vitaminas e outros suplementos podem ser eficazes no tratamento ou na prevenção de várias anomalias sistémicas. Challman opta por ignorar as provas dadas nestes casos. No entanto, tanto quanto sei, ele está correcto ao afirmar que nenhuma destas abordagens parece ser eficaz no tratamento do autismo.
Se, por um lado, salienta a falta de “provas” científicas para estas abordagens, por outro aponta o dedo a qualquer centro médico académico que se atreva a analisar (como ele lhe chama) a “pseudociência”. Muito bem, Dr. Challman, não pode querer tudo. Não pode afirmar que não há ciência subjacente às medicinas complementares e alternativas e depois dizer que é uma perda de tempo analisar estas abordagens. Deveríamos apoiar a pesquisa que analisasse estas metodologias. Devemos ser cientificamente cépticos, mas mantendo o espírito aberto do investigador … e não deveríamos condicionar o que escrevemos pelo facto de ir contra aquilo em que acreditamos. Challman prejudica o leitor com a sua abordagem preconceituosa da medicina complementar e alternativa. Sugiro que numa eventual nova edição deste livro o Dr. Challman não volte a ser convidado a escrever este capítulo.
“O autismo tem solução?”, questiona o capítulo 12. Parece-me uma forma estranha de perguntar se o autismo tem cura. Ao ler o capítulo ficamos com a ideia de que o que autor quer dizer é: “Podemos começar com um diagnóstico dentro do espectro mais disfuncional e com a ajuda do tratamento atingir um nível ou uma função superior? Claro. Se estiveram presentes numa das recentes reuniões da COVD (associação de oftalmologistas para o desenvolvimento da visão) e ouviram a intervenção da Doutora Temple Grandin, sabem que a resposta para esta questão é um sonante Sim! (A Doutora Grandin teve autismo severo na infância e é actualmente doutorada e professora associada na Colorado State University).
O último capítulo, Perturbações do Espectro do Autismo: Uma Conceptualização, procura apresentar um esboço de um modelo de trabalho sobre modos de reflectir sobre PEA, que possam ser usados para abordar a questão mais séria colocada pelo responsável de saúde primária – rastreio e diagnóstico precoce. O autor deste capítulo, Dr. Accardo, produziu várias tabelas e imagens muito úteis, mas a base de tudo está no seu Protocolo de Rastreio para Perturbações do Espectro do Autismo. Este protocolo está dividido em três partes. A parte A diz respeito à comunicação. A parte B envolve o autismo na história da família: Perturbação Global do Desenvolvimento, Autismo num irmão; problemas com o contacto visual; reacção a faces; agitar das mãos e hábitos alimentares. Na parte final faz referência ao perímetro cefálico maior do que 1,5 desvio standard acima da média, rotação posterior das orelhas e andar em bicos de pés. Este é um rastreio que a maioria dos oftalmologistas poderia fazer prontamente como parte do seu historial e das observações gerais da criança e da sua família.
Apesar deste texto não avançar propriamente em nenhum campo dos que revê e discute, resume o que se pensa actualmente sobre esta perturbação (ou deverei dizer grupo de perturbações) de uma forma concisa e fácil de ler. A maioria destes autores estabelece uma óptima, isenta e clara comunicação com o leitor ao transmitir o que pretendem. Acho que a melhor parte de muitos dos capítulos são as tabelas e/ou as imagens. Os resumos dos tópicos são bons, na generalidade.
Recomendo este texto a qualquer oftalmologista que examine regularmente crianças com autismo… e devido ao seu último capítulo e a sua preocupação com o diagnóstico precoce… Até recomendaria este livro àqueles médicos que não examinam estas crianças regularmente. Recomendo o uso dos protocolos de rastreio apresentados no livro de modo a que os doentes possam ser tratados atempada e adequadamente.

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