Estudo. Investigadores britânicos ligaram o excesso de testosterona no líquido amniótico ao autismo. Com a descoberta, pensam ser possível encontrar um tratamento para a doença ou permitir a escolha de interromper, ou não, a gravidez
Estudo permitirá investigar um tratamento
Investigadores britânicos esperam ter aberto caminho à possibilidade de detectar o autismo através de rastreios pré-natais, ou seja, durante a gravidez. Um estudo desenvolvido pelo Centro de Investigação do Autismo da Universidade de Cambridge conclui que a presença de elevados níveis de testosterona no líquido amniótico das grávidas estará ligado a traços autistas. Os resultados, publicados no British Journal of Psychology e citados pelo The Guardian, abrem a possibilidade de tratar a doença durante a gravidez ou de a interromper, à semelhança do que já se passa com o síndroma de Down (trissomia 21).
Durante cerca de oito anos, uma equipa do centro de investigação observou o desenvolvimento de 235 crianças. Todas elas têm mães que fizeram amniocenteses durante a gravidez, teste usado geralmente acima dos 35 anos e que visa despistar anomalias genéticas. De acordo com um dos investigadores, citado pelo mesmo jornal, foi encontrada uma ligação consistente entre os níveis de testosterona - hormona masculina - no útero e traços ligados ao autismo, como a dificuldade em socializar, falar correctamente ou expressar necessidades. As crianças tinham entre oito e dez anos e foram sujeitas a dois testes distintos, mas o estudo ainda vai continuar.
Nos primeiros anos do estudo não foi possível medir os traços nas crianças, mas os cientistas já tinham encontrado alguns indicadores. Foi o exemplo de rapazes que não olhavam outras pessoas nos olhos. Já se sabia que a doença afecta sobretudo rapazes e que tem várias causas na sua origem. Mas os investigadores defendem também que a doença é "uma consequência da masculinização do cérebro", refere o The Guardian. Logo, relacionada com a testosterona.
Esta investigação levanta duas hipóteses de aplicação. Uma delas é a possibilidade de a mulher saber antes do nascimento se o seu filho terá ou não grandes probabilidades de vir a ter a doença. Jorge Branco, presidente da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, diz ao DN que, "se se confirmar esta ligação, a possibilidade de testar será interessante". Mas ressalta que "seria necessário ter a certeza dos valores de testosterona associados ao autismo. Mas aí era preciso saber quais os valores normais".
Antes da realização de qualquer teste, é necessário garantir acerteza desta ligação. A avançar para a hipótese de interromper uma gravidez na sequência desta descoberta, "temos de ter dados mais válidos. E o caminho ainda é longo", refere ao DN.
A interrupção da gravidez na sequência da detecção de autismo é uma temática muito polémica. Por um lado, porque há pais de crianças autistas que consideram que esta possibilidade iria gerar ainda mais discriminação e perda de meios de apoio, que demoraram a ser alcançados. A hipótese de conhecer o diagnóstico antes do parto seria importante também para que os pais se preparassem para mais rapidamente intervir e dar o melhor apoio à criança.
Mas há ainda outras razões para debater. Jorge Branco lembra que a doença pode não implicar elevado grau de dificuldades mentais. "Uma criança autista pode ter uma vida perfeitamente normal".
Também Isabel Cottinelli Telmo, da Federação Portuguesa de Autismo, salienta que este estudo pode trazer uma "grande avanço". Mas tem a certeza de que "muitos pais continuariam a preferir ter o seu filho", o que aliás ainda acontece com os casos de trissomia 21. Contudo, as consequências das duas doenças são totalmente diferentes.
E tratar?
A controvérsia é igual quando se analisam as consequências destas conclusões ao nível do tratamento. "Podíamos fazer algo em relação a isso. Alguns investigadores ou laboratórios podiam ver isto como uma oportunidade para desenvolver um tratamento pré-natal", diz ao The Guardian Simon Baron-Cohen, o director desta equipa de investigação. Um exemplo seria um bloqueante de testosterona.
Para avançar com qualquer tratamento, era preciso "avançar com um ensaio clínico, o que, só por si, é complicado porque estamos a falar de mulheres grávidas, diz António Vaz Carneiro, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida
In - Diario de Noticias
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
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