Indubitavelmente, as famílias que se encontram em circunstâncias especiais, promotoras de mudanças nas atividades de vida diária e no funcionamento psíquico de seus membros, deparam-se com uma sobrecarga de tarefas e exigências especiais que podem suscitar situações potencialmente indutoras de estresse e tensão emocional. O estresse constitui-se como uma reação psicológica, cujas fontes podem ser oriundas de eventos externos ou internos. De acordo com Lipp e Guevara (1994), o estresse pode provocar tanto sintomas físicos como psicológicos. Os possíveis efeitos psicológicos das reações ao estresse são: ansiedade, pânico, tensão, angústia, insônia, alienação, dificuldades interpessoais, dúvidas quanto a si próprio, preocupação excessiva, inabilidade de concentração em assuntos não relacionados com o estressor, inabilidade de relaxar, tédio, ira, depressão e hipersensibilidade emotiva.
Sobre este tema, nota-se um número crescente de artigos publicados a partir de 1992, o que parece demonstrar maior envolvimento dos profissionais com a questão familiar, especialmente com relação aos pais das crianças autistas. Quanto a revisões críticas de literatura, foram escassos os artigos cujo enfoque perpassa essa questão do autismo infantil e do estresse da família (Fraser & Murti Rao, 1991; Tunali & Power, 1993; Estrada & Pinsof, 1995; Travis & Sigman, 1998; Dawson, Ashman & Carver, 2000; Peterson & Siegal, 2000; Kaiser, Hester e McDuffie, 2001).
Segundo Koegel e cols. (1992), as famílias de autistas revelam um nível geral alto de preocupação quanto ao bem-estar de suas crianças depois que os pais não puderem providenciar mais cuidados para elas. O prejuízo cognitivo da criança é um dos focos de estresse dos pais nas suas preocupações com as inabilidades (atrasos) lingüísticas e cognitivas das crianças.
Para Tunali e Power (1993), é comum o achado de dificuldades das mães de crianças autistas em prosseguir sua carreira profissional devido ao tempo excessivo da demanda de cuidados que a criança necessita e à falta de outros cuidadores. Segundo este estudo, os autores concluem que o papel central de satisfação e desempenho está relacionado ao fato de ser mãe, enquanto a definição de bom cônjuge no caso dos pais de crianças autistas é de alguém provedor de suporte emocional e físico.
As análises de Henderson e Vandenberg (1992) das mães de crianças autistas indicaram que a gravidade do transtorno da criança (estresse), o suporte social da mãe (recursos), e o locus de controle percebido pela mãe (percepção) foram fatores significantes no ajustamento familiar. O ajuste familiar aumentou quando o evento estressor externo da gravidade do sintoma esteve menos severo e quando houve maior suporte social, que visivelmente ajudou a abrandar as dificuldades de criação da criança autista.
É importante notar que, no estudo de Moes e cols. (1992), mães de crianças autistas mostraram significativamente mais estresse do que os pais. Os autores propuseram um modelo explicativo sugerindo que o estresse pode estar relacionado às diferentes responsabilidades com a criança designadas para cada cuidador. Neste estudo, os pais estavam ativamente comprometidos com sua atividade profissional fora de casa, e todas as mães identificaram-se como o cuidador primário.
Shu, Lung e Chan (2000) investigaram o impacto de crianças autistas sobre a saúde mental de suas mães, bem como a morbidade psiquiátrica menor. Muitas famílias relataram que o cuidar de uma criança autista constituiu uma sobrecarga emocional, física e financeira. Um total de 33% de mães de crianças autistas do grupo pesquisado apresentou um transtorno psiquiátrico menor. As mães com mais anos de estudo puderam utilizar recursos melhores para procurar ajuda.
No estudo de Gray (1997), a concepção de vida familiar normal foi de difícil compreensão para muitos pais de crianças autistas de alto funcionamento e síndrome de Asperger. Seu entendimento de uma vida familiar normal estava associado a fatores tais como: suas próprias habilidades de socializar-se, a qualidade emocional de suas interações com os membros da família, e os rituais e rotinas que abrangiam suas percepções do que fazem famílias normais. Entre as ameaças a estas atividades notou-se a presença de tendências agressivas em suas crianças.
A partir dos dados apresentados acima, foi possível detectar que o estresse dos pais de crianças autistas apareceu ligado a fatores tais como o prejuízo cognitivo da criança, a gravidade dos sintomas e as tendências agressivas do filho. Porém, um fator mediador desse estresse foi o suporte social que, quando percebido, favoreceu um melhor ajustamento familiar. Os estudos oferecem consistência à hipótese de sobrecarga emocional, física e financeira no cuidado com o portador de necessidades especiais, principalmente nas mães dessas crianças, além de uma dificuldade na representação da idéia de uma vida normal.
Vale ressaltar que a sintomatologia do estresse abrange tanto aspectos físicos como psicológicos, o que pôde ser verificado nos estudos referidos acima. Selye (1956) afirma que os indivíduos podem passar por três fases de estresse. Essas fases compreendem: a fase de alerta, em que o organismo se prepara para as reações de luta ou fuga, continuada pela fase de resistência, uma tentativa de adaptação do organismo, em que predomina a sensação de desgaste. Se o evento estressor é contínuo e o indivíduo não conta com estratégias adequadas para lidar com isto, o organismo exaure suas reservas de energia adaptativa e a fase de exaustão se manifesta (Lipp, 1989; Lipp & Rocha, 1994).
A não ser pela menção à busca de suporte social, não foi possível apreender nos trabalhos revisados os modos ou estratégias de enfrentamento utilizados diante da situação estressora. Aparece um questionamento sobre a apropriação da concepção de normalidade da vida familiar. Em decorrência do acometimento da criança, acredita-se na necessidade de uma ressignificação dos papéis de cada membro da família no processo de adaptação dos pais e da criança na situação presente.
In:
Autismo infantil e estresse familiar: uma revisão sistemática da literatura
Maria Ângela Bravo Fávero1,2; Manoel Antônio dos Santos
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto
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