sábado, 13 de dezembro de 2008

A comunicação funcional

A comunicação é um aspecto especialmente afetado no quadro do autismo e que, com freqüência, apresenta-se severamente prejudicada. O desenvolvimento inicial da linguagem nas crianças autistas é caracterizado pela demora no início da fala ou pela falta de progresso (com possibilidade de regressão) após a aquisição inicial da linguagem. Segundo Pomeroy (1992), este atraso pode ser antecedido por uma ausência de balbucio comunicativo. Torna-se necessário que os cuidadores encontrem uma forma de tornar esta comunicação possível e funcional. De alguma maneira, a criança precisa fazer-se entender e ser entendida por aqueles que a cercam.
Trabalhos recentes têm sido desenvolvidos com o tema do autismo da criança e a família sob o enfoque da comunicação (Barnes, Kroll, Lee, Jones & Stein, 1998; El-Ghoroury & Romanczyk, 1999; Fraser & Murti Rao, 1991; Hindley, 1997; Kaiser, Hester & McDuffie, 2001; Peterson & Siegal, 2000; Travis & Sigman, 1998).
El-Ghoroury e Romanczyk (1999) examinaram as interações das crianças autistas com membros da família, atentando para a manifestação da linguagem dessas crianças através de jogos. Os resultados revelaram que mães e pais de crianças autistas exibiram mais comportamentos de jogo com a criança do que os irmãos, enquanto as crianças com autismo iniciavam mais interações voltadas para os irmãos do que para os pais.
Inseridos em um contexto mais abrangente de comunicação e relacionamentos interpessoais de crianças autistas, estudos têm sido empreendidos segundo uma perspectiva cognitivo-desenvolvimental, aludindo à teoria da mente (Bosa, 2001; Fraser & Murti Rao, 1991; Peterson & Siegal, 2000; Travis & Sigman, 1998). Frasier e Murti Rao (1991) definem que, nas crianças autistas, uma das anormalidades fundamentais em comunicação parece estar na inabilidade para formar representações que levem em consideração os estados mentais dos outros, o que resulta no colapso da comunicação efetiva a dois. Segundo Travis e Sigman (1998), crianças autistas têm falhas em exibir responsividade típica às emoções dos outros, o que sugere falências na função de um sistema especializado na interpretação e resposta a sinais de emoção. Muitas crianças têm dificuldade nos relacionamentos com pares, embora autistas de alto funcionamento relatem ter amigos na infância e adolescência.
Hindley (1997) centrou-se sobre a comparação de crianças com prejuízos auditivos e autistas, partindo, porém, de uma abordagem teórica diferente. O autor verificou, mediante revisão da literatura, que os estudos relatam que prejuízos auditivos parecem ocorrer mais freqüentemente entre crianças autistas do que seria esperado. O prejuízo auditivo pode confundir o diagnóstico do autismo e vice-versa, podendo sucessivamente direcionar um diagnóstico tardio e manejo médico e educacional inapropriados.
Barnes e cols. (1998) verificaram que, em alguns casos, existe certa consideração de que as crianças autistas não poderiam entender os conceitos ou que poderiam ficar indevidamente angustiadas por informações acerca do que acontece na família em que está inserida, especialmente no caso de uma enfermidade que acomete o cuidador primário. Vale salientar que a falta de comunicação e esclarecimento, além da privação do cuidado, poderiam acentuar o impacto desta enfermidade do cuidador na relação com a criança.
A comunicação através de interações mostrou que crianças autistas têm dificuldades para iniciar jogos com os pais. No entanto, a utilização de jogos para auxiliar a interação entre as crianças e seus pais e irmãos, pode tornar lúdico e representar uma alternativa no enfrentamento de uma dificuldade de comunicação entre os familiares e, ao mesmo tempo, funcionar como valioso instrumento de expressão para a criança.
Atualmente, o uso de instrumentos auxiliares para a comunicação tem sido amplamente empregado em instituições brasileiras, como é o caso do Adolescent and Adult Psychoeducational Profile (APPEP) estudado por Mesibov, Schopler, Schaffer e Landrus (1988). É um modelo psicoeducacional importado dos Estados Unidos, que utiliza um programa de treinamento em comunicação (Treatment and Education of Autistic related Communication Handicapped Children – TEACCH), baseado em apoios visuais como fotografias, desenhos e palavras. Desse modo, existe uma tentativa de suprir, através das fichas, um aspecto fundamental nas vivências familiares que é a comunicação das necessidades.

In:
Autismo infantil e estresse familiar: uma revisão sistemática da literatura
Maria Ângela Bravo Fávero1,2; Manoel Antônio dos Santos
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto

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