Carta de Boston: O perigo do ressurgimento de doenças infecciosas
:: 2008-06-29 Por Duarte Barral
Duarte Barral
Edward Jenner foi o pioneiro de uma das descobertas mais revolucionárias da humanidade ao ter vacinado com sucesso algumas crianças contra a varíola em 1776. Graças à referida vacina a humanidade conseguiu erradicar a varíola e poderá, num futuro próximo, fazer o mesmo em relação à poliomielite. Calcula-se que só nos EUA sejam salvas 33000 vidas por ano devido à vacinação¹.
Até há pouco tempo não havia grandes questões sobre os benefícios da vacinação e o único risco em que se pensava era se a vacina não poderia causar a própria doença, o que é facilmente despistado nos ensaios clínicos obrigatórios antes de qualquer medicamento entrar no mercado e que tende a desaparecer com as modernas vacinas recombinantes.
Edward Jenner
No entanto, em 1998 um estudo publicado na famosa revista Lancet veio lançar a dúvida sobre uma possível ligação entre a vacina contra o sarampo, papeira e rubéola (MMR) e o autismo. A partir daí alguns pais começaram a deixar de vacinar os seus filhos e, apesar de o estudo ter sido retractado por 10 dos 13 autores por não ter bases sólidas para a conclusão a que chegou, a dúvida persiste para alguns pais.
O resultado desta irresponsabilidade dos autores do estudo e dos pais que deixaram de vacinar os seus filhos pode ser o aumento do número de casos de sarampo verificado recentemente. Nos quatro primeiros meses deste ano verificaram-se mais casos de sarampo nos EUA do que durante todo o ano de 2006².
É preciso compreender que a vacinação é tanto mais eficaz a um nível populacional quanto maior o número de pessoas vacinadas. Isto porque o microrganismo dispõe de um reservatório menor que possa infectar e por isso propaga-se menos. Podemos comparar esta imunidade a um escudo que enquanto não abrir brechas protegerá todos. É importante também referir que as crianças que não são vacinadas beneficiam da imunidade a nível populacional garantida por todas as outras que estão vacinadas, pela razão acima descrita.
Provavelmente, esta situação só está a acontecer actualmente porque a maioria das pessoas já não associa o sarampo a uma doença mortal, que continua a ser. Hoje em dia as principais doenças infecciosas que afectavam as crianças há algumas décadas atrás fazem poucas vítimas, não porque se tenham tornado menos perigosas mas devido ao extraordinário resultado da vacinação. Pelo contrário, doenças como o autismo que provavelmente não preocupavam muito os nossos avós são hoje mais visíveis e melhor diagnosticadas.
Isto coloca um problema a nível de saúde pública: as crianças não vacinadas estão a por menos em risco a sua saúde do que a eficácia da vacinação a nível populacional e a saúde dos recém-nascidos e outras pessoas que não podem ser vacinadas. Isto pelo menos por enquanto, pois a esmagadora maioria dos pais continua a vacinar os filhos, felizmente. E este factor faz também com que seja difícil fazer cumprir a vacinação obrigatória.
Se a tendência de não vacinar os filhos continuar, pelos hipotéticos riscos não provados que as vacinas possam ter, assistiremos certamente ao ressurgimento de doenças infecciosas como o sarampo e ao aumento do número de casos mortais. É urgente, neste caso, que as dúvidas legítimas sejam completamente esclarecidas e que todos assumamos a nossa responsabilidade perante o resto da sociedade de seguirmos os programas de vacinação vigentes, se não o fizermos pela nossa própria saúde e dos nossos filhos.
¹ Fonte: Time
² Fonte: New York Times
terça-feira, 1 de julho de 2008
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