quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Autismo e Hipoterapia-Uma combinação terapêutica benéfica e viável?

A ciência hoje em dia modernizou-se imenso mas, existem ainda graves lacunas por resolver.

A problemática que envolve a Perturbação do Espectro Autista é um desses casos e afecta muitos dos que a acompanham e seguem pois, ainda não foi encontrada a causa para o surgir desta perturbação do desenvolvimento e por isso, a cura tende a não aparecer.

Sabemos que muitos são os individuos autistas existentes por todo o mundo mas, qual o método terapêutico mais eficaz para o seu desenvolvimento e melhoria de vida? Para esta pergunta a resposta é ainda uma incógnita.

Assim sendo, considerou-se um método de intervenção alternativo existente que parece “dar frutos” (se assim podemos afirmar) por todo o mundo, a Hipoterapia e, realizou-se um estudo cientifíco teórico e práctico que visa compreender se a Hipoterapia consiste ou não num método terapêutico eficaz no que concerne às competências gerais de crianças autistas.

Antes de apresentarmos a discussão de resultados e conclusões de estudo, descreveríamos de forma sucinta e resumida em que consiste a Hipoterapia e Autismo.

Salientariamos no entanto que, de modo a que os estudo pudesse encontrar-se ao alcance de todos, independentemente do grau de escolaridade ou conhecimentos, gráficos e seus resultados estatistícos não seriam mencionados senão, através de escrita na Discussão de Resultados.

Discussão de Resultados:
O principal propósito desta investigação visava comprovar a eficácia ou não da Hipoterapia como método terapêutico ao nível das competências gerais em crianças autistas. Para tal e, como já havia sido referido, utilizaram-se vários instrumentos de avaliação e estudaram-se 13 crianças que beneficiaram de nove meses de sessões de Hipoterapia.

Após a apresentação dos resultados obtidos através das escalas escolhidas (PEP-R, CARS e Folha de Registo de Sessões) e da sua exposição estatística, poderemos chegar a determinadas conclusões que passaríamos a descrever.

Comprovou-se de facto que a hipoterapia revela-se benéfica perante este género de população tendo em conta as melhorias consideráveis em áreas referentes às competências gerais dos indivíduos estudados após a prática deste método terapêutico.

Perante os resultados que se podem retirar através do PEP-R, denotamos melhorias significativas em todas as áreas desta escala, sendo o número de áreas com “Ausência de Perturbação” bastante superior ao número correspondente às áreas que apresentavam “Perturbação Severa”. Tais resultados comprovam que, embora o autismo consista numa perturbação do desenvolvimento ainda sem cura possível, as sessões de hipoterapia contribuem na sua maioria para uma anulação de incapacidades gerais severas, transformando-as em capacidades com ausência de perturbação nas crianças autistas.

Podemos retirar mais comprovativos da eficácia deste método terapêutico no que concerne às capacidades gerais dos indivíduos em estudo seguindo a observação de outros resultados recolhidos através do PEP-R, onde se verifica que o número de actividades com grau de “Êxito” é também significativamente superior às que apresentavam antes de terem beneficiado de sessões de hipoterapia, sendo o grau de “Insucesso” significativamente inferior.

Todos estes resultados e afirmações são corroboradas pelo Quadro 12 onde se encontram os valores correspondentes ao “Desenvolvimento Total” Antes e Depois das sessões de hipoterapia, onde é notória ainda uma melhoria considerável em todos os participantes após frequência nas mesmas sessões.


Em relação aos dados recolhidos através da Folha de Registo das Sessões de Hipoterapia para cada criança autista estudada, denota-se também que este consiste num método terapêutico eficaz ao nível das capacidades gerais destes indivíduos. Esta Folha de Registos permite-nos identificar se existiram ou não melhorias nessas mesmas capacidades gerais após o período de prática de nove meses de sessões, bem como a partir de que número de sessão essas se observaram. Entre 24 áreas e capacidades gerais seleccionadas para avaliação na Folha de Registos, na primeira sessão registaram-se melhorias significativas na maioria dos indivíduos estudados em cerca de 11 áreas diferentes tendo sido ainda observado que, em 5 dessas, o grau de melhoria ao longo das sessões deu-se com maior lentidão.

Em relação aos dados obtidos através da CARS, podemos também constatar que, num total de 16 Itens que compõem esta escala e que se dividem entre os Quadros 13 e 14, em cerca de 12 Itens são notórias melhorias significativas após o período de nove meses de sessões de hipoterapia, o que comprova novamente, a sua eficácia como método terapêutico.

Desde o inicio do nosso trabalho será possível constatar o percurso e dificuldade de definição referente a esta perturbação do desenvolvimento denominada de Autismo, tendo sido Kanner (1943) o seu principal impulsionador, seguindo-se muitos outros.

Soubemos desde logo que, quando pretendêssemos trabalhar com crianças autistas deveria ser dado ênfase ao desenvolvimento das capacidades e à promoção da aprendizagem e da aquisição de novas competências e comportamentos.

Para qualquer tipo de intervenção deverão ser tido em conta as principais características de cada perturbação e o tipo de diagnóstico que o paciente apresenta.

No nosso caso tal não terá sido excepção e de facto, as características dos indivíduos autistas são diversas e peculiares especialmente quando se tratam de crianças, podendo todo o processo de terapia ser comprometida.

Por apresentarem na sua maioria problemas de concentração e de fixação do olhar, défices da linguagem, alienação do mundo exterior, défices de foro social e comunicativo, a intervenção em autistas poderá tornar-se num trabalho difícil, árduo e muitas vezes frustrante.

Como já havia sido referido, uma possível cura para o autismo consiste ainda em algo distante de atingir e algo deveras preocupante que carece de especial atenção por parte de muitos investigadores.

No entanto, até aos dias de hoje deparamo-nos com uma imensidão de teorias e métodos terapêuticos destinados a melhorar a vida destes indivíduos tão especiais como são os autistas.

Entre inúmeras possibilidades optou-se por investigar a eficácia da hipoterapia ao nível das capacidades gerais de crianças autistas e, como podemos observar ao longo desta investigação cientifica, apoiada pelos dados estatísticos que inserimos na mesma, a principal hipótese, questão e/ou foco deste estudo terá sido encontrada e comprovada conforme se pretendia.

Apesar dos entraves que as peculiares características especificas deste tipo de perturbação poderiam apresentar as expectativas da nossa pesquisa terão sido superadas e os resultados surpreendentes, o que, por sua vez, segue de encontro com algo que apoiamos, pois Riviere (1989) havia afirmado que, através de processos educativos, o autista poderá abandonar o mundo solitário e ausente em que vive. Também Citterio (1991) defendera que terapias em que a utilização do cavalo se encontra presente surgem como várias técnicas reeducativas, que permitem superar danos sensoriais, motores, cognitivos e comportamentais.

Gerlach (2000) havia sugerido que, na maioria dos casos, a utilização de um conjunto de diversas técnicas e estratégias de intervenção poderia contribuir para um elevado número de resultados positivos em indivíduos em terapia. Ora, se observarmos os dados deste estudo, verificamos que uma única técnica de intervenção (hipoterapia) revelou-se bastante eficaz de um modo geral nestas treze crianças autistas. Logo, se se seguisse a sugestão de Gerlach (2000), talvez esses mesmos resultados nos surpreendessem ainda mais pela positiva. Seria no entanto importante referir que muitas crianças autistas acabam por revelar progressos expontâneos sem terem usufruído de qualquer tipo de tratamento, daí a dificuldade de escolha de programas de intervenção adequados para esta população.

Quase que se podia prever quais os resultados que do nosso estudo poderiam advir se tivermos em conta que, desde há muitos anos atrás, surgem as mais diversas teorias e relatos que evidenciam os excelentes benefícios e influência dos animais na vida dos humanos, tendo essas mesmas teorias sido aplicadas por volta do séc.XVIII em doentes mentais (Dotti, 2005).

Os animais não possuem as mesmas capacidades, experiência e poder de cura que um médico especializado apresenta. Porém, devido ao seu afecto, amor incondicional e características físicas (pêlo, docilidade, por exemplo), o relaxamento e a estabilidade, a diminuição de comportamentos agressivos (entre outros) no Homem poderão surgir após e durante esta interacção. Para além disso, os animais aceitam as pessoas tal qual como elas são, sem quaisquer distinções físicas ou psicológicas (www.peterwhite.com.br) .

Durante a participação em sessões de hipoterapia por um período de nove meses, a interacção cavalo-criança, os estímulos exteriores e ambientais permitiram a melhoria, promoção e aquisição das mais diversas capacidades da população em estudo, transformando o que outrora consistira em áreas que apresentavam perturbações severas em capacidades com ausência de perturbação.

Assim teremos que concordar com Pereira (2005) que havia mencionado que as crianças autistas não são seres incapazes de uma totalidade de actividades, como muitos ainda hoje o pensam.

Mas a hipoterapia não consiste apenas numa troca de afecto e relação não se devendo apenas a tal a sua eficácia. No final deste trabalho podemos concluir também que a actividade física praticada durante as sessões de hipoterapia faz parte de um rol de estratégias específicas deste método terapêutico que, no seu conjunto, em muito beneficia de modo geral o praticante/paciente.

Concordamos com Santos (2005) que havia referido que este género de terapia consiste em algo diferente da maioria das terapias convencionais, na medida em que o paciente interage e participa no seu próprio tratamento, não se limitando apenas a recebê-lo de forma passiva e estática, o que, por sua vez, poderá ser um aspecto bastante importante no que concerne ao grau de eficácia do método.

A resistência à mudança e à quebra da rotina diária consiste em algo defendido por muitos investigadores que pesquisam sobre o autismo, incluindo Kanner (1943), como algo encarado de forma bastante negativa pelos indivíduos autistas, surgindo afirmações de presença de comportamentos agressivos quando tal acontece. Tal situação terá sido observada em alguns indivíduos no inicio das sessões de hipoterapia, embora porém, rapidamente tais comportamentos se tenham alterado e a grande maioria dos sujeitos passou a aceitar de modo positivo as alterações dos seus hábitos e rotinas diárias, sendo mais um ponto positivo retirado deste método terapêutico.

Atrevemo-nos a afirmar que, designações de Kanner (1943), como o aloneness e o sameness, parecem ter perdido algum do seu sentido após a concretização deste estudo pois, após algum período de tempo de sessões de hipoterapia a relação criança autista-cavalo parece ter solidificado, ganhando algum valor e simbolismo em ambos (humano e animal).

Também Kanner (1943) provou perante a comunidade científica, após um estudo que efectuou com 11 crianças autistas, que estas haviam demonstrado possuir uma boa memória. Através das sessões de hipoterapia que acompanhamos, tal aspecto poderá ter sido verificado, pois a cada dia de sessão, as crianças que estudámos passavam cada vez menos a necessitar de indicações e repetição de exercícios, parecendo tê-los bem cientes em suas memórias. O factor “rotina” pode ter contribuído para tal memorização, dado às crianças usufruírem de uma rotina específica diária (limpeza, alimentação, escovagem do cavalo, entre outras) em cada sessão de hipoterapia. Mas, no entanto, quando se procedeu à aplicação do PEP-R após o período de nove meses de hipoterapia, nas actividades que implicavam processos de memorização, as crianças apresentaram resultados consideráveis.

Um outro e não menos importante aspecto a referir e que comprova que a hipoterapia em muito contribui para o desenvolvimento e alteração de comportamentos do homem, consiste num episódio que passaríamos a descrever. No final desta investigação e após o término do programa das sessões de hipoterapia, observaram-se comportamentos de ansiedade e inquietude nas crianças estudadas, sendo que, frequentemente, as mesmas deslocavam-se em direcção à porta de saída das Instituições como que se fossem ou quisessem se dirigir para as aulas de hipoterapia. Quando avistavam as terapeutas ocupacionais e psicólogas (profissionais que, nestes casos, dirigiam as sessões de hipoterapia) nas Instituições as crianças iam em seu encontro pegando na sua mão de modo ansioso, sendo que algumas acabariam por pronunciar palavras relacionadas com as sessões ( “cavalinho”; “festinha”; “anda!”), parecendo pedir para voltarem a usufruir de sessões de hipoterapia.

Estas situações em muito nos surpreenderam e, apesar de Aljuriaguerra (1974), por exemplo, ter salientado que no caso de perda ou desaparecimento dos pais a criança autista não demonstrará qualquer reacção, no caso de finalização/término das sessões de hipoterapia as crianças manifestaram uma série de atitudes e comportamentos que provavelmente se deveram à enriquecedora experiência que dessas mesmas sessões beneficiaram ou, ao próprio acto de afagar o animal, que permite ao indivíduo a exteriorização dos afectos que sente por esse, sendo notória uma capacidade de interagir despertando o desejo de voltar a contactar com outras pessoas ou até com o animal.

Assim, e após tal situação, atrevemo-nos ainda a contrariar diversos autores mencionados ao longo deste trabalho que acreditam que o autismo é um estado de um indivíduo em que a realidade externa lhe é totalmente indiferente, pois tal poderá ser modificado após um período de intervenção através de sessões de hipoterapia onde comprovámos que o indivíduo autista dá real importância própria ao meio externo que o envolve. Caso contrário, como poderia a hipoterapia e os estímulos que dela advêm ser benéficos para este tipo de população?

Após os resultados e pesquisas apresentados, espera-se que os profissionais de saúde (psicólogos e terapeutas ocupacionais, entre outros), encarregados de educação e até a população em geral possam aceitar a hipoterapia como um método importante de foro interventivo em indivíduos autistas e noutros sujeitos que apresentem as mais diversas perturbações ou défices.

Em Portugal este método encontra-se ainda em vagarosa expansão e descrédito por parte de muitos profissionais e pais. No entanto, crê-se que, com este estudo se alarguem horizontes no que concerne às possibilidades que de diferentes técnicas possam advir e conclui-se ainda que essas mesmas possibilidades terapêuticas são vastas e diversificadas, não se cingindo apenas às técnicas e métodos considerados tradicionais.

Salientaríamos por fim que, apesar de se ter comprovado a hipótese pretendida, encontramo-nos ainda muito aquém da total compreensão da problemática do autismo. Assim sendo, seria importante que se desse uma maior continuidade aos estudos e pesquisas referentes a esta perturbação, que tantos sujeitos afecta, em busca de uma cura única e eficaz ou, se tal não for possível a curto prazo, como se acredita, que se encontrem mais informações que nos permitam identificar qual o método de intervenção mais eficaz nestes casos.



Conclusões

Através de todo este estudo e discussão de resultados, podemos realmente concluir que a Hipoterapia, como método terapêutico, é benéfica para crianças autistas, no que concerne às suas competências gerais, e, recomenda-se, visto ter sido possível verificar uma totalidade geral de dados positivos, melhorias significativas e resultados estatisticamente significativos em todas as crianças estudadas nas mais diversas áreas, tais como ao nível da motricidade geral, da linguagem, da imitação, da percepção, da coordenação óculo-manual, das relações, da adaptação às mudanças, das respostas emocionais, entre outras.




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Autoria: Ana Marisa Brito (Psicóloga)

Data: 2007

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