segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

NEURÔNIOS ESPELHO E AUTISMO:

Maria Emilia Yamamoto, Departamento de Fisiologia,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

A imitação de expressões faciais por bebês humanos (Meltzoff e Moore, 1977) e primatas não humanos (Myowa-Yamakoshi et al., 2004) sugere que estes são capazes, desde muito cedo, de propriocepção, evidenciada pela representação mental da expressão imitada. A hipótese mais aceita para explicar a imitação precoce é um mecanismo de ressonância ou neurônios espelho.
Geary (2005), sugere que durante evolução humana nossos ancestrais alcançaram dominância ecológica, isto é, através de mecanismos cognitivos conseguiram vencer as demandas seletivas apresentadas pelo ambiente físico. De forma complementar ele sugere que a mais forte pressão seletiva enfrentada pelos nossos ancestrais foi a de lidar com as complexidades da vida
social – a competição intra-específica. De acordo com Geary, esta pressão decorrente da vida social seria compartilhada com outras espécies que têm vida social complexa como os primatas não humanos.

Se os nossos cérebros (e mentes) são um produto de seleção natural e se a sua história evolutiva foi caracterizada por pressões decorrentes da vida social, deveríamos encontrar as marcas
desta história nas características funcionais e estruturais da cognição humana. Uma dessas marcas são os mecanismos de ressonância.
Quais seriam as funções adaptativas dos mecanismos de ressonância? Vou discutir três possíveis mecanismos: Identificar indivíduos relevantes em seu meio social (Meltzoff & Moore, 1994);
aprender elementos da cultura (Yamamoto & Lopes); aprender habilidades de leitura da mente - ToM (Gallese & Goldman, 1998). A primeira hipótese considera que a imitação automática que ocorre a partir do nascimento e imitações mais complexas, posteriores, seriam marcadores da capacidade representacional, e que permitiria identificar os indivíduos que seriam importantes para a
sobrevivência e posterior adaptação do indivíduo, como fonte de informação relevante sobre o meio e sobre outros indivíduos. Inicialmente esta identificação permite a formação de laços de apego, principalmente com a mãe, mas posteriormente haveria uma ampliação dos indivíduos com os quais há interação social significativa, permitindo a identificação de fontes confiáveis de informação sobre o
meio físico e social.

A segunda hipótese considera que a imitação é uma forma de aprendizagem de elementos da cultura, essencial para a sobrevivência no meio social. Um exemplo é a aquisição da dieta, que está presente não apenas em humanos mais também em outras espécies.

Finalmente, a imitação permite o desenvolvimento de habilidade de leitura da mente, ou a atribuição de estados mentais a outros indivíduos, o que pode ser usado para prever e explicar seu comportamento. Os mecanismos de ressonância servem como precursores e/ou fundamento ao processo de leitura da mente, na medida em que contribuem para o conhecimento chamado por Geary (2005) de “psicologia do senso comum”. Este tipo de conhecimento permite detectar estados
internos e intenções de outros indivíduos e antecipar ações futuras.
Diferenças nessas habilidades diferenciam fortemente cérebros do tipo masculino e feminino resultando em diferentes estilos cognitivos: o cérebro do tipo masculino é melhor em sistematização enquanto que aquele do tipo feminino se sai melhor em tarefas que exigem empatia. Porém, uma vez que um tipo de habilidade compensa a deficiência da outra, não há diferenças na habilidade cognitiva geral entre homens e mulheres (Baron-Cohen, 1999).
O autismo está freqüentemente associado a uma deficiência nas capacidades nas capacidades ligadas à “ToM”. Porém, autistas podem se mostrar extremamente inteligentes e proficientes em processos cognitivos não-sociais. Estes indivíduos são portadores de síndrome de Asperger, e apresentam um estilo cognitivo altamente proficiente em sistematização. O déficit em
empatia, no entanto, é tão grave que não ;e compensado pelo altos níveis de sistematização.
As informações apresentadas nos permitem concluir que: a. os neurônios espelho representam um mecanismo selecionado pela evolução para lidar com a complexidade social; b. suas funções adaptativas incluem (possivelmente entre outras) a identificação de indivíduos relevantes, a aprendizagem de elementos da cultura e a habilidade de ler mentes (ToM); c. comportamentos e
mecanismos que permitem essa adaptação estão presentes em formas mais simples em outras espécies; d. Mecanismos para lidar com o meio podem diferir entre os sexos: mais empatia em mulheres e mais sistematização em homens.

Porém, várias questões permanecem sem respostas: a. diferenças de estilo refletem diferenças de estrutura ou funcionamento? b. o autismo deriva de um déficit em empatia, isto é, de um cérebro extremamente masculino? c. este é um déficit neural ou de desenvolvimento? d. o sistema de neurônios espelho é diferente (deficiente) nesses indivíduos?
A resposta a essas questões pode contribuir para a compreensão desse fenômeno e nas tentativas de minimizar esse déficit.

Referências
Baron-Cohen, S. (1999). The extreme-male-brain theory of autism. In H. Tager Flusberg (ed.),
Neurodevelopmental disorders. MIT Press, pp. 1-68.
Gallese, V. & Goldman, A. (1998). Mirror neurons and the simulation theory of mind reading. Trends in
cognitive sciences, 2: 493-501.
Geary, D.C. (2005). The origin of mind. Washington, APA.
Meltzoff, A.N. & Moore, M.K. (1994). Imitation, memory and the representation of persons. Infant
behavior and development, 17: 83-99.
Meltzoff, A.N. & Moore, M.K. (1977). Imitation of facial and manual gestures by human neonates.
Science, 198: 75-78
Myowa-Yamakoshi, M., Tomonaga, M., Tanaka, M. & Matsuzawa, T. (2004). Imitation in neonatal
chimpanzees. Developmental science, 7: 437-442.
Yamamoto, M.E. & Lopes, F.A. (2004). Effect of removal from the family group on feeding behavior on
captive Callithrix jacchus. International journal of primatology, 25: 489-500.

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