terça-feira, 11 de agosto de 2009

tradução - Correlações Neurológicas de Características Autistas na População em Geral: Revelações sobre o Autismo

Daniel P. Kennedy, Ph.D.A abordagem tradicional da investigação sobre o autismo tem sido a de comparar um grupo de indivíduos afectados com um grupo de indivíduos não autistas num ponto de interesse específico (p.ex. genes, cérebro, comportamento), para determinar em que medida os grupos diferem entre si. Esta abordagem metodológica é obviamente importante e tem revelado quase tudo o que sabemos sobre o autismo. No entanto, desenvolvimentos recentes na quantificação de traços autistas na população em geral estão a resultar em novos avanços para o estudo e a compreensão do autismo. Um exemplo desta abordagem está patente num artigo escrito por Di Martino e colegas(1) nesta mesma edição. Numa amostra não autista da população em geral (para a qual é usado preferencialmente o termo "neurotípicos" por parte de investigadores e colaboradores), os autores acham que o grau de traços autistas num indivíduo está ligado a uma relação funcional entre duas regiões específicas do cérebro (i.e., o cortex paracingulado anterior [the pregenual anterior cingulate] e a ínsula anterior [anterior mid-insula]). Antes de descrever estas descobertas mais detalhadamente e as suas implicações na compreensão do autismo, deverá ser feita alguma contextualização relativamente a dois aspectos chave do estudo.Em primeiro lugar, para determinar a relação funcional entre várias regiões do cérebro Di Martino e colegas usaram uma característica muito interessante do cérebro em descanso. Mesmo na ausência de quaisquer pedidos de execução de tarefa explícitos (incluindo durante o sono e com anestesia leve), o cérebro está intensamente activo e demonstra variações espontâneas de baixa frequência na ordem de 0,01–0,1 Hz, que são mensuráveis através de imageologia funcional por ressonância magnética (2). À primeira vista estas variações podem parecer um ruído aleatório, mas, com efeito, regiões específicas do cérebro apresentam padrões correlacionados destas variações espontâneas, que são encontrados de uma forma fiável e consistente nos indivíduos (1, 3, 4). Para além disso, esta ligação funcional existe entre regiões que estão ligadas anatomicamente (5) e que se relacionam funcionalmente (6), incluindo redes motoras, sensoriais e cognitivas. Apesar de ainda estarem por determinar os processos neurológicos subjacentes a estas variações de baixa frequência, pensa-se que reflectem uma organização intrínseca do cérebro (ver a referência 6 para discussão). Todavia, a análise da simples conexão funcional em descanso não é a parte excitante do estudo de Di Martino, dado que muitos outros já estudaram este fenómeno, tanto em populações saudáveis, como doentes, incluindo o autismo (ver referência 7 sobre a primeira análise de correlações funcionais durante o descanso no autismo).O segundo componente chave do estudo levado a cabo por Di Martino e colegas envolve o uso da Social Responsiveness Scale (Escala de Resposta Social) (8). Desenvolvida por Constantino e colegas (8), a Escala de Resposta Social é um questionário de 65 itens, para pais ou professores, com uma medição única contínua de traços autistas (e que inclui itens representativos de cada um dos três domínios de diagnóstico do autismo: défice social, défice na comunicação e interesses e comportamentos restritos/esterotipados). É importante o facto da Escala de Resposta Social poder ser usada para quantificar estes traços, não só em indivíduos com autismo, mas também na população em geral (9). Deste modo, este instrumento permite aos investigadores avançar para além dos esquemas de investigação tradicional que simplesmente comparam indivíduos entre categorias binárias (autismo versus não autismo) e obter esquemas estatisticamente mais sensíveis que apresentam vantagens sobre a variabilidade dos traços autistas nos indivíduos, seja qual for o seu diagnóstico. A utilidade desta abordagem foi já demonstrada em estudos de relação genética com famílias com autismo múltiplo. (10).Di Martino e colegas analisam de que forma os traços autistas encontrados na população em geral se relacionam com diferenças individuais na conexão funcional em descanso. O seu raciocínio é o seguinte: Se os circuitos neurológicos que são sensíveis ao grau de traços autistas numa amostra não autista pudessem ser identificados (medidos através da versão para adultos da Escala de Resposta Social), então esses circuitos poderiam ser candidatos em outros estudos sobre o autismo. A sua investigação foca-se na conexão entre o cortex paracingulado anterior [the pregenual anterior cingulate] e o resto do cérebro. Esta região em particular foi escolhida por várias razões. Em primeiro lugar, estudos anteriores de conexão funcional em descanso no autismo identificaram anormalidades nesta região (11, 12). Em segundo lugar, a sua meta-análise de estudos imageológicos funcionais no autismo detectou hipo actividade do cortex paracingulado anterior [pregenual anterior cingulate cortex] durante o processamento social (13). Em terceiro lugar, o cortex paracingulado anterior [pregenual anterior cingulate cortex] é habitualmente utilizado durante o processamento social e emocional - processos deficitários no autismo.Resumindo o seu principal resultado, Di Martino e colegas descobriram que a conexão funcional entre o cortex paracingulado anterior [pregenual anterior cingulate cortex] e a ínsula anterior [anterior mid-insula] é sensível ao nível de traços autistas, numa amostra de indivíduos não autistas. Os que apresentavam níveis mais altos de traços autistas tinham uma baixa conexão funcional, enquanto os que apresentavam níveis mais baixos de traços autistas tinham uma maior conexão funcional. Baseando-se em investigação anterior e no padrão da conexão da ínsula anterior paracingulada [anterior cingulate-insula] identificado no presente estudo, os autores especulam que a região insular anterior pode servir como uma zona de transição entre a insula anterior e a insula posterior, regiões que se pensa estarem envolvidas na cognição social e emocional e na representação somática, respectivamente.Como os autores salientam, o significado das suas descobertas para a compreensão do autismo é presentemente desconhecido e só será confirmado por estudos adicionais que incluam uma amostra de autistas. No entanto, ser capaz de quantificar o grau de traços autistas na população em geral, lado a lado com os portadores de autismo, pode trazer revelações importantes quanto à natureza do autismo. Por exemplo, não é claro, actualmente, se o autismo representa o extremo de um continuum dentro da população em geral ou se o diagnóstico representa quebra no desenvolvimento típico, quer qualitativa, quer quantitativa. Se a primeira hipótese fosse verdade, esperar-se-ia ver uma continuação da relação cérebro-comportamento identificada no estudo de Di Martino, que atravessa o diagnóstico. Porém, se a última hipótese fosse verdade, esperar-se-ia encontrar uma relação cérebro-comportamento diferente dentro de cada grupo (autismo versus comparação).Em termos de investigação mais genérica sobre o autismo, a análise da conexão funcional em descanso pode provar ser uma metodologia particularmente útil para identificar anormalidades neurológicas no autismo. A maioria dos estudos imageológicos funcionais baseados em tarefas só são capazes de incluir indivíduos de alto funcionamento devido às considerações práticas relativas à capacidade dos participantes e ao seu desempenho das tarefas. No entanto, estes indivíduos são um subgrupo relativamente pequeno da população autista alargada. Dadas as tarefa mínimas envolvidas na aquisição dos dados de conexão funcional em descanso (i.e., estar quieto), podem ser incluídos indivíduos representativos de um maior âmbito de capacidade e idade. Para além disto, os dados funcionais do descanso, por definição, não envolvem paradigmas de tarefas complexos, cujos detalhes possam divergir grandemente entre os vários estudos. Por isso, estes dados são adequados para serem confrontados entre locais de investigação, permitindo potencialmente que os investigadores atinjam uma capacidade estatística muito maior nas suas análises. Esta plataforma para partilha de dados sobre o autismo foi estabelecida recentemente (ver o website da National Database for Autism Research [NDAR], em http://ndar.nih.gov) e deve vir a mostrar-se um recurso inestimável para futura investigação sobre o autismo.Em resumo, o artigo de Di Martino e colegas salienta uma abordagem sensível para a investigação das bases neurológicas do autismo. Embora ainda esteja por analisar se os circuitos específicos do cérebro que foram identificados se alteram em indivíduos com autismo, estudos futuros que analisem as relações cérebro-comportamento através do uso de medidas comportamentais cada vez mais sofisticadas irão certamente ajudar a ilustrar modelos biológicos de organização do cérebro e do desenvolvimento do cérebro no autismo.Notas de rodapéEndereço para correspondência e pedidos de reimpressão dirigidos ao Dr. Kennedy, California Institute of Technology, 1200 E. California Blvd., MC 228–77, Pasadena, CA 91125; kennedy@caltech.edu (e-mail). Editorial aceite para publicação em Junho de 2009 (doi: 10,1176/appi.ajp.2009,09060829).O autor afirma não haver interesses concorrentes.ReferênciasTOPReferênciasDi Martino A, Shehzad Z, Kelly C, Roy AK, Gee DG, Uddin LQ, Gotimer K, Klein DF, Castellanos FX, Milham MP: Relationship between cingulo-insular functional connectivity and autistic traits in neurotypical adults. Am J Psychiatry 2009; 166:891–899[Abstract/Free Full Text]Biswal B, Yetkin FZ, Haughton VM, Hyde JS: Functional connectivity in the motor cortex of resting human brain using echo-planar MRI. Magn Reson Med 1995; 34:537–541[Medline]Damoiseaux JS, Rombouts SA, Barkhof F, Scheltens P, Stam CJ, Smith SM, Beckmann CF: Consistent resting-state networks across healthy subjects. 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